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terça-feira, 27 de julho de 2010

Rio Côa (2): de Vale de Espinho ao Sabugal e à
Quinta das Vinhas

Iniciada a descida pedestre do Côa em Junho, o objectivo era a sua continuação para noroeste, rumo ao Sabugal. Em Julho, em Vale de Espinho também estava a passar uns dias o primo "francês" das aventuras na Marvana e na Serra da Gata... J. Como depois da "lição" da Marvana e da "confirmação" no
O Côa junto ao Moinho da Escaleira, Quadrazais, 21.07.2010
Jañona eu já sabia com o que é que contava ... propus-lhe fazer esta etapa comigo. E assim, no dia 21 de Julho, saímos ambos de Vale de Espinho para iniciar, junto ao Moinho da Ervaginha, a segunda etapa daquela descida pedestre.
O "rio sagrado" aproxima-se da estrada junto à açude dos Urejais e do restaurante e viveiro de trutas Trutalcôa. Acompanhámos o rio ao longo dos viveiros e, já prestes a seguir rumo a Quadrazais ... deparámos com três "feras ferozes" pertencentes à TrutalCôa... J. Quando o primo Quim viu aquelas "feras" … estarreceu; passado um momento de pânico … "voou" literalmente, numa corrida louca … que só parou quando não deu conta de uma vala e torceu um pé! A "fera feroz" que o "ameaçava" … ficou a ver a cena. Sentado no chão agarrado ao pé (mas longe do raio de acção da corda que segurava a "fera"), lá conseguiu mais ou menos "endireitá-lo" … e a água gélida e benfazeja do Côa aliviou-lhe as dores. Mas era evidente que não estava capaz para fazer uma caminhada.
Ao longo do Côa, rumo ao Espírito Santo, 21.07.2010
E assim, após alguma insistência do autor destas linhas para o acompanhar de volta (que foi recusa-da), voltou para casa a coxear, pela estrada! A caminhada para ele, desta vez, tinha tido 3,5 km.
Ainda antes do Espírito Santo, surge-nos o Moinho da Escaleira; belas borboletas e libélulas povoam as margens do Côa. E chegamos ao Espírito Santo, a praia fluvial de Quadrazais. E prosseguimos para o açude e Moinho do Salgueiral. Por vezes a progressão é dificultada pelo emaranhado do mato, mas lá vou descobrindo passagens "secretas", descobrindo cantos e recantos do Côa de raríssima beleza.
Moinho do Salgueiral, Quadrazais, 21.07.2010
Cantos e recantos desconhecidos do Côa, 21.07.2010
Segue-se o Moinho de João Lourenço, cruza-se o estradão Quadrazais - Malcata, chego ao açude e ao Moinho da Mursa, o maior deste troço do Côa. E próximo de Quadrazais muitos eram igualmente os moinhos que, nas épocas de labor, moíam o trigo, o milho, o centeio que alimentava as populações. Percorro as suas ruínas, registo as imagens do lamento que neles se sente ... e sigo a minha "romagem".
Açude e Quinta do Moinho da Mursa, Quadrazais, 21.07.2010
Um paraíso no Côa, Quadrazais, 21.07.2010
Após uma ampla curva de 180º, o Côa corre para a Estrajassola, como se quisesse dirigir-se para o velho Cruzeiro das Peladas, vigiado pela Machoca, que, do alto da Serra da Malcata, o domina a sul. Pouco depois do Moinho do Covão, começam a sentir-se os efeitos da aproximação à Barragem do Sabugal.
Estrajassola: começa a notar-se a proximidade da Barragem
Na Volta da Fraga, 23.07.2010
A barragem vai-me obviamente impedir a progressão. Da Veiga da Moreira subo ao Cruzeiro das Peladas ... e regresso a casa via Colónia Agrícola de Martim Rei. Este tipo de caminhadas tem sempre esta contingência: como é o regresso? Bem, naquele dia 21 de Julho foi na carreira da tarde da "Viúva Monteiro". Dois dias depois estava lá de novo, de carro, para fotografar a zona da Volta da Fraga e do Casal de Vale dos Sapos, já em plena barragem. Algures naqueles recantos, debaixo de água, estarão os restos de outros antigos moinhos, como o Moinho da Volta da Fraga, o Moinho da Tinita, e outros.
Algures neste recanto, debaixo de água ... está o
Moinho da Volta da Fraga, 23.07.2010
Barragem do Sabugal vista da Torre da Machoca (Malcata),
25.07.2010
"Partindo" portanto a descida pedestre ao nível da Barragem do Sabugal, no dia 25 de Julho reencetei-a na margem esquerda, para fazer o percurso de Malcata até ao Sabugal. Antes, da torre de vigia da Machoca, tem-se uma boa percepção da área alagada pela albufeira e do rumo do Côa, definitivamente para norte. Este troço Malcata - Sabugal pouco ultrapassa os 9 km, paralelamente aos cabeços um pouco mais altos da margem direita do Côa, das Teixedas ao geodésico do Gravato.
Açude do Cascalhal, o primeiro a seguir à barragem, 25.07.2010
Junto ao Moinho do Cascalhal, Sabugal, 25.07.2010
Passado o paredão da barragem, estamos de novo à vista de um Côa estreito. Estamos também no Santuário da Srª da Graça e no Centro de Educação Ambiental da Reserva da Malcata. E logo surge a primeira açude após a barragem, junto à qual é possível cruzar o Côa de novo para a margem direita ... para encontrar o Moinho do Cascalhal, ou do "Ti" Zé Martins, que ainda não há muitos anos o "alimentava" e fazia funcionar. E dali à praia fluvial do Sabugal é um pulo.
O Côa na praia fluvial do Sabugal, 25.07.2010
Mesmo junto à velha ponte do Sabugal, o Moinho do Zé Ricardo é um exemplo de recuperação; pena é que a maioria dos velhos moinhos estejam no mais completo abandono. E dentro do Sabugal chegamos ao pontão das poldras, ao lado do qual se construiu a nova ponte do Côa. O progresso não se compadece muito com o passado ... e por isso, no limite norte do Sabugal, na margem direita do Côa, vou encontrar a velha Quinta do Dr. Francisco Maria Manso, o "Dr. Framar" das célebres "Caçadas aos Javalis", preciosidade fundamental para conhecer muito do sabor, das lendas, das tradições e do viver raiano nos anos 30 e 40 do século passado.
Ponte Nova do Sabugal e velho pontão das poldras, 25.07.2010
A velha Quinta do Dr. Francisco Maria Manso,
Sabugal, 25.07.2007
Clique neste link para ver o álbum completo de fotos
As duas "etapas" da descida pedestre do Côa, da nascente ao Sabugal
Mais dois dias ... e a "febre" da descida do Côa lança-me em nova etapa, para lá do Sabugal! Mais uma vez ... esta descida solitária tem a contingência do regresso ao local de origem. Por isso, a 27 de Julho deixo o carro no Rendo ... e vou a pé pela estrada até ao Sabugal! Assim, no final ... teria o carro à espera.
E na velha Quinta do Dr. Manso, onde havia terminado dois dias antes, comecei então o meu acompanhamento do Côa. Passando a ETAR do Sabugal, acompanha-se o rio ao longo da Tapada de S. Lázaro (e respectivo moinho), até à foz da ribeira da Paiã e às ruínas do Moinho do Marques.
Açude junto à foz da Ribeira da Paiã (margem direita do Côa), 27.07.2010
Neste troço, o Côa faz duas amplas curvas. Após atravessar carvalhais e alguns campos de cultivo, chega-se às ruínas dos precisamente chamados Moinhos da Volta. Ao longo de todo este troço, sucedem-se recantos de rara beleza onde, mesmo em Julho, o Côa leva grande quantidade de água.
Segunda açude da Volta do Côa, 27.07.2010
A caminho do Moinho dos Margaridos, 27.07.2010
Infelizmente, todos estes moinhos estão em ruínas, rodeados de mato e silvas, perdidos num tempo que já não é o nosso. Passando para a margem esquerda, subo agora dos 720 metros do rio aos 830 do talefe das Vinhas, apreciando o vale mas também à vista da pequena aldeia de Quinta das Vinhas. Volto a descer para o Moinho do Delfim, este aparentemente habitado, mas não funcional, e pouco depois atravesso de novo para a margem direita, ao encontro de uma velha mas grande quinta, a Quinta da Foz.
Alto das Vinhas, observando o vale do Côa, 27.07.2010
Moinho do Delfim, 27.07.2010
São quase horas de almoço, mas ainda me aproximo de novo do Côa, na açude que serve de praia improvisada à minúscula aldeia de Quinta das Vinhas. Depois ... foi subir a encosta até ao Rendo, ao encontro do carro. A minha descida do Côa apenas tinha progredido menos de 7 km "úteis", mas com o percurso até ao Sabugal e as voltas necessárias ... tinha percorrido 21 km. E, na açude da Quinta das Vinhas ... a descida pedestre do Côa iria agora esperar até Novembro pela continuação.
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Do Sabugal à Quinta das Vinhas, acompanhando o Côa
15/09/2011

domingo, 18 de julho de 2010

Rio Côa (1): da nascente a Vale de Espinho


RIO SAGRADO


No ventre das Mesas
ouviu-se um gemido
de um ser que quis nascer
e correr serra abaixo
……………
Eras tu, meu Rio Côa,
que querias ser gigante
e escolheste o teu caminho rasgando montes,
dormindo em vales fundos
……………
E, hoje, sou eu que paro junto a ti,
penetro nesse templo sacrossanto do tempo que passou,
e contemplo esse andar tão lento de séculos e milénios
p’ra concluir que quase nada sou

Bernardino Henriques, “Poemas da Terra”, 2009
Eu já conhecia o "ventre das Mesas" e o correr do Côa serra abaixo. Já conhecia muitos dos seus meandros, já tinha ouvido os seus lamentos, as suas histórias perdidas, contadas nas poldras, nas velhas açudes, nas ruínas dos velhos moinhos abandonados no " tempo que passou ". Mas há muito que me fervilhava a ideia de ligar esses meandros e essas histórias, de seguir o curso do Côa ... a pé.
Em Junho e Julho de 2010, nas nossas habituais estadias em Vale de Espinho ... iniciei a minha descida pedestre do Côa.  A primeira "etapa" foi nos dias 27 a 29 de Junho.  E a etapa começou acima da nascente
Abutre de asas abertas, porque não me dás boleia?...
Lameirão dos Foios, Serra das Mesas, 27.06.2010
do Côa, no Lameirão dos Foios, a 1160 metros de altitude, onde o lençol freático muito próximo da superfície será, provavelmente, a origem primária dos dois rios irmãos, o Côa e o Águeda. A Serra das Mesas, já minha velha conhecida, é bem o ventre de onde eles nascem, ponto de partida obrigatória desta minha "peregrinação". Depois, foi seguir o curso do jovem "ser que quis nascer e correr serra abaixo". Contornando o Cabeço dos Currais e cruzada a estrada do Lameirão, chegamos aos primeiros declives acentuados e entramos na ampla curva do Prado da Barrosa. Do curso sul/norte que o caracteriza na generalidade, nos Foios o Côa corre no sentido nordeste/sudoeste. Primeiros lameiros, primeiros campos de cultivo ... e estamos nos Foios.
Atravessando o prado da Barrosa, 28.06.2010
Praia fluvial dos Foios, 28.06.2010
Logo a seguir aos Foios, o Côa recebe os seus dois primeiros afluentes propriamente ditos, na margem esquerda: os ribeiros do Colmeal e do Picoto. Cama Grande ... e os granitos vão dando lugar aos xistos ... a Serra das Mesas vai dando lugar à da Malcata. Chegamos à Fontanheira, aos pés do Cabeço do Canto da Ribeira, às Colesmas, às Braciosas. As velhas açudes, as poldras para atravessar o rio,
Pontão e Moinho dos Pecas (vista de nascente), 29.06.2010
começam a soltar-me o gemido do "tempo que passou ", das gerações que as águas viram passar, do labor dessas gerações.
Nas Braciosas, o rio entra em terras de Vale de Espinho, contornando os Cabeços da Cruz Alta e do Pisão. Surgem os primeiros moinhos ... ou o que resta deles.
Memórias que a memória não esquece...
Primeiro o Moinho do Sr. Vital, depois o Moinho dos Pecas.
Passada a ribeira dos Abedoeiros, chegamos às Veigas ... e ao Engenho. Antigo moinho, antiga fábrica de mantas, antiga "fábrica de luz", o Engenho vale só por si um compêndio de história, de memórias, de grandezas e fracassos. Quantas páginas ali se escreveram da história e da vida das gentes de Vale de Espinho e da raia...
A velha ponte de Vale de Espinho há muito que vê passar o Côa!
Pouco depois chegamos à velha Ponte, ícone de Vale de Espinho. O Moinho do Ti Xico Barbeiro é dos poucos na margem esquerda. E seguimos para o Pisão, a foz da ribeira do Vale da Maria, o Moinho do Ti Zé Lucas e o da Nogueira. Das Aleguinhas e do Freixial, que viu tantos e tantos convívios nos anos 60, 70, 80, já quase não restam vestígios, varridos pelo envelhecimento e pela desertificação. Em qualquer destes lugares, vem-me sempre à memória o pensamento de Sérgio Paulo Silva, também ele "filho adoptivo" de Vale de Espinho, da raia, da Malcata, do Côa.  Escrito  para  uma  minha  foto  do  Moinho  do  Rato ...
"E de repente damo-nos conta que envelhecemos, a ver envelhecer estas pedras que não envelhecem."

Pontão das poldras, no Moinho do Rato, 18.07.2010
Mas o Côa segue o seu curso. À margem do Cabeço do Colmeal, deixa o Moinho dos Pereiras, ou da Ponte Nova, a ponte nova que um dia viu passar a estrada que levaria a Malcata, mas que termina no Alcambar.
E precisamente junto à foz da ribeira do Alcambar, descansam os restos da última obra da arte da água e da pedra* nos limites de Vale de Espinho, o Moinho da Ervaginha.

* (Referência à obra "Rio Côa – A Arte Da Água E Da Pedra", de Nuno de Mendoça)
Moinho da Ervaginha e lameiros do Côa, Vale de Espinho (clique neste  link  para ver o álbum completo)
"Etapa" da descida pedestre do Côa entre a nascente e a barragem do Sabugal, que inclui o troço descrito neste post
13/09/2011