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segunda-feira, 28 de abril de 2003

Um doloroso regresso a Vale de Espinho...

18 meses depois de diagnosticada a praga que o assolara, em Abril de 2003 a luta pela vida tornara-se inglória. Reinternado na véspera da minha partida para a Madeira, o nosso timoneiro ainda vem passar a Páscoa a casa, mas perde a última batalha, serenamente, a 28 de Abril de 2003. À cabeceira, na cama de hospital, estou eu, os meus dois filhos, uma irmã e aquela que o acompanhou durante 51 anos de uma vida de casal ... que se comemoravam naquele fatídico dia!

A MORTE CHEGA CEDO

A morte chega cedo,
Pois breve é toda a vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.

O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tenha alcançado
Não sabe o que alcançou.

E tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.

Fernando Pessoa

No dia seguinte, 29 de Abril ... regressamos a Vale de Espinho. Parecendo-me hoje de novo impossível, há mais de 4 anos que não íamos lá. Mas este é o mais doloroso regresso àquela Natureza benfazeja, à aldeia que viu nascer um homem que era uma força dessa mesma Natureza. Aquelas terras foram, para ele, terras de luta, de amargura, de sofrimento. Delas teve de partir, um dia, primeiro para as Áfricas, depois para terras de França ... "pela viela da esperança, sempre de mudança". Cedo regressou contudo, pondo a família à frente de todas as lutas. Foi barbeiro, jardineiro, operário fabril, fez de Moscavide e do Bairro da Figueira a sua nova "aldeia", orgulhou-se do núcleo familiar que gerou, das filhas, dos 4 netos ... e como se orgulharia dos bisnetos, se a morte não o tivesse levado, quando tinha ainda tanto para dar.
Mas foi para a sua aldeia que sempre quis voltar, quando um dia partisse para a última mudança. Ironias do destino, mal sonhava ele o mal que o assolava, quando mandou construir ele próprio a sua última morada, para ele e para a mãe das filhas que gerou, o seu jazigo no jardim da eternidade, no cemiteriozinho da sua Vale de Espinho. No dia 29 de Abril de 2003, acompanhámo-lo a essa última morada, mas o seu carisma perdura nas recordações. A voz dele parece cantar nas águas do Côa, a presença dele parece sentir-se nas lombas e nos vales da Malcata, na Pelada, no Areeiro, no vale da Maria ... nas Fontes Lares!
Se já antes eu tinha "descoberto" Vale de Espinho, que adoptei como "terra natal", o desaparecimento físico do meu saudoso sogro exponenciou a minha relação com a aldeia que o viu nascer, com o ar livre daquelas terras e gentes, com toda a raia Sabugalense, inclusive de ambos os lados dessa mesma raia. 5 meses depois da sua morte, compramos conjuntamente com os cunhados dois palheiros e uma pequena casa adjacente ao respectivo curral ... a casa que ele havia alugado, 51 anos antes, ao casar-se com a mãe das suas duas filhas. Menos de 2 anos depois ... temos uma casa em Vale de Espinho! E passou a ser raro passar mais de um mês sem ir respirar os ares daquela que é, sem dúvida alguma ... a minha terra.
Orgulho-me de, casualmente, ter o mesmo nome dele ... e de ser hoje o "avô Zé" dos meus netos ... tal como ele era o "Avô Zé" dos meus filhos. Pelo menos o meu neto e a minha neta mais velha, ambos com 3 anos, sabem bem quem é o seu "avô Zé" ... e quem era o "Avô Zé velhinho" ... o "Avô Zé" do pai deles.
1 de Junho de 2011

2 comentários:

Fernando Amado Ferreira disse...

O tempo passa mas,a saudade fica sem nada poder fazer para voltar...
Efectivamente, o Zé Malhadinhas como era conhecido em Vale de Espinho e noutras paragens foi um homem digno de se conhecer nas mais variadas facetas da vida. Foi pena que partisse assim tão rápido e inesperadamente, pois a sua memória ficará para o meu neto Martim e para todos nós pertencentes a esta família dos Sanches Malhadas. Utilizei o nome Sanches porque não se pode esquecer, que por trás de um grande homem, existe sempre uma grande mulher e essa mulher chama-se Olinda, sua companheira de vida.

O seu Genro Fernando com saudade

Paula Francisco disse...


Bom não o conheci.
Mas depois desta descrição confesso que o gostaria de ter conhecido.
Mais uma vez fiquei sem palavras, mas com algumas lágrimas no rosto, depois de ler estas lindas palavras escritas pelo mano Zé.

Mana Paula Francisco