Apesar dos périplos atrás referidos, muitas zonas havia e há ainda para
conhecer e descobrir naquelas terras mágicas. Há algum tempo que tinha
começado por isso a congeminar uma travessia mais ou menos em autonomia,
passando precisamente por algumas dessas zonas que ainda queria conhecer. Já
tinha subido por duas vezes ao
Borrageiro, a partir da
Teixeira e do
Camalhão, mas nunca tinha
percorrido as
Sombrosas ou o vale do
Conho,
por exemplo; e outras zonas, claro. Assim, "desenhei" um projecto e lancei um
desafio a alguns amigos, sabendo contudo de antemão que não seria
fácil arranjar acompanhantes, já que o projecto
implicaria uns 5 dias e a maioria dos amigos
com
"estaleca" para o fazer não estão reformados como eu…! Por outro lado, não
seria nunca possível marcar uma data específica para concretizar o projecto,
já que o mesmo dependeria essencialmente das previsões meteorológicas. Jamais
me passaria pela cabeça a inconsciência de me meter e meter alguém numa
"aventura" … com o objectivo de "passear" de helicóptero e de aparecer nas
televisões…! A data de concretização do projecto … seria portanto a primeira
em que a meteorologia garantisse pelo menos 5 dias seguidos de tempo seco e
pouco nublado. O
FreeMeteo é uma das muitas "bíblias" que hoje
permitem que só se vá para a serra em dias de temporal e chuva forte … se se
for completamente inconsciente.
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Vai começar a "aventura"... 19.10.2010
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Até meados de Outubro de 2010, apesar de reformado, os dias livres na minha
agenda não coincidiram com bom tempo. Estando na disposição de avançar mesmo
que eventualmente sozinho, a minha "sócia" e possível acompanhante ergueu
contudo a "bandeira" das temperaturas que começavam a descer, dos dias que
começavam a ter poucas horas de luz, das dificuldades daí resultantes para a
eventual passagem de uma ou mais noites na serra. E ditou, assim, duas "leis":
"proibia-me" de ir sozinho, mas dispunha-se a acompanhar-me … desde que
ficássemos "debaixo de telha". Bem, como as "leis" são para se cumprir …
estudei as alternativas que o permitissem. Por exemplo, já tinha estado na
Nevosa … mas nunca tinha subido ao
Altar de Cabrões; já tinha estado nos
Carris, vindo de
Pitões ou de
Lapela … mas não conhecia as
Minas das Sombras, as "irmãs" galegas dos Carris; do lado
galego, há muito queria conhecer o
carvalhal da Barxa e a
aldeia abandonada de
Salgueiro. E assim, pegando nestes
elementos, foi-se desenhando uma travessia entre Pitões das Júnias e
Lobios, maioritariamente portanto pelo
Xurés galego, que permitiria cumprir a "lei" de dormir
"debaixo de telha" e de, a partir de Lobios, "conquistar" as alturas das
Sombras e dos picos fronteiriços. Isto sabendo de antemão que esta jornada de
ida e volta, a partir de Lobios, seria relativamente dura: cerca de 33 km … e
mais de 1100 metros de desnível a vencer!
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Ao fundo a barragem de Paradela, rumo à raia, 19.10.2010
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Num projecto deste género (bem como no inicialmente delineado), o carro seria
um estorvo. Deixávamo-lo em
Pitões? E depois? Não tenho
telecomando para o teletransportar para
Lobios...
J! Mas de Lobios
ao
Lindoso são apenas 15 km, que com uma ou outra variante
pela base da
Serra de Santa Eufémia … dariam para uma
terceira caminhada. Assim, havia portanto que chegar a Pitões das Júnias … e
que regressar a partir do Lindoso. O passo seguinte era fácil: estudar as
empresas e os horários dos autocarros. Entretanto a meteorologia apontou para
uma semana entre 18 e 22 de Outubro com céu limpo praticamente em todo o país
… nomeadamente nas terras "mágicas" do Gerês. As condições estavam reunidas
... para uma "modalidade" de viajar que, adoptada aos quase 60 anos,
convenhamos que não será muito usual...
J! Nalguns
troços pedestres em que necessariamente tivemos de ir ao longo de estradas …
até gostava de saber o que terá passado pela cabeça de quem se deparava com a
imagem de dois "peregrinos" quase sexagenários, estrada fora, de mochilas às
costas (a minha bem grande…), um deles careca e a outra de cabelos
brancos...
E assim, na 2ª feira 18 de Outubro de 2010, pouco antes das dez da manhã,
estávamos a sair de casa a pé, de mochilas às costas, despedindo-nos ainda da
nora e netas … com estas últimas muito admiradas com o "filme" que estavam a
ver...
J! O
primeiro dia foi rumo a Braga e depois a
Montalegre. Na
viagem Braga / Montalegre tive um choque: só pode ter sido por autodefesa …
mas não me lembrei que ia ver a
Serra Amarela... Além do
choque resultante de não me ter lembrado que ia ver a imagem que vi … a imagem
que vi era pura e simplesmente dantesca! Em momento algum da minha muita
indignação daquele verão imaginei que o cenário era aquele! E obviamente … só
vi uma parte. Ainda pensei puxar rapidamente da câmara … mas não quis reter
ainda mais aquele cenário. Toda a
Serra Amarela … era
uma Serra Negra! Mas negra de carvão! Toda a zona adjacente ao S. Bento da
Porta Aberta; toda a encosta a oeste da barragem da
Caniçada,
portanto a zona da
Junceda e da
Calcedónia,
com o
Pé de Cabril ao fundo, único morro que sobressai do
inferno negro abaixo dele; toda a encosta oeste do vale do Rio Gerês e até
parte da encosta leste (portanto já Serra do Gerês), todo esse
cenário era dantesco … e a acrescentar ao cenário duas grossas colunas de
fumo soltavam-se da meia encosta; acredito que fossem queimadas controladas …
mas não sei. Felizmente o autocarro passou a mostrar a
Serra do Gerês, a Amarela agora negra ficou para trás … mas a
imagem ficou gravada. As alturas das
Rocas Alva e Negra, as
barragens do Cávado e o planalto da
Mourela lá ao fundo, para
onde íamos naquele dia esplendoroso, conseguiram-me consolar um pouco. E
depois de
Salamonde o autocarro passou a ser quase que
exclusivamente de transporte de escolas … pelo que o motorista resolveu pôr o
Dartacão a passar no vídeo de bordo...
J!
Às 18:15h estávamos em Montalegre ... e uma taxista levou-nos rapidamente à
aldeia "mágica" de
Pitões
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Prosseguimos no Xurés galego, 19.10.2010
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das Júnias! Em Pitões, as minhas "velhas" amigas Marias já
nos esperavam. A "
Casa do Preto" e a Srª Maria (mãe) são o nosso poiso em Pitões desde a primeira vez que lá
fomos, há mais de 30 anos. Quantos serões passados à sua velha lareira, com
grupos de alunos que ficavam aos 4 e aos 5 em cada um dos poucos e pequenos
quartos que então ela alugava; a Srª Maria (filha) conhecemo-la desde
jovem e a Sandra (neta) … quase desde que nasceu! Num dia de semana e em época
já baixa … é claro que fomos os únicos hóspedes … mas a bela posta de vitela
barrosã claro que não podia faltar … até porque precisávamos de energias para
a caminhada do dia seguinte.
E no dia seguinte, 19 de Outubro, sete horas e pouco, ainda noite, estávamos a
pé. Temperatura exterior … 4ºC; já está fresquinho…! Higiene, arrumações,
mochilas carregadas com toda a "tralha" necessária. O padeiro vinha às 7:45h,
as Sr.as Marias serviram-nos o habitual pequeno-almoço, trocamos impressões
sobre as caminhadas que vamos fazer ... e às 8:30h estávamos a partir a pé,
rumo a norte, à
Portela de Pitões, por caminho meu bem
conhecido, já que este troço inicial é o mesmo que segue para as alturas da
Brazalite e da
Fonte Fria. Recentemente
alcatroado até à fronteira, abandonámos contudo o caminho principal por
alturas do
Outeiro do Grosal e das
Lamas da Portela, com a
Fraga da Espinheira a dominar a paisagem a poente … onde o
velho carreiro desapareceu na vegetação e nos obrigou a um pequeno troço de
corta-mato. Pouco mais de 5 km feitos … e estávamos a entrar no
Xurés galego, a 1290m de altitude, mais 170 do que Pitões. A
panorâmica era magnífica tanto para terras lusas, com a barragem de
Paradela ao fundo, o sempre visível ponto branco da Capela de
S. João da Fraga, a espinha dorsal da Serra do Gerês a
sudoeste; para norte e nordeste, terras galegas e parte do "dedo" português
onde se situa
Tourém, que contudo não se vê; a barragem de
Salas e as aldeias galegas de
Randín,
Maus de Salas,
Guntumil e outras, essas
salpicavam a paisagem. O Albergue da
Serra do Pisco também se
via, na encosta junto à estrada fronteiriça da Portela de Pitões.
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Carballeira da Barxa, Xurés galego, 19.10.2010
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Agora a descer a encosta galega, rapidamente começamos a ver a poente a mancha
florestal para onde nos dirigimos: a
Carballeira da Barxa, um
carvalhal espectacular, onde o musgo invadiu as pedras e as árvores. A
barragem de Salas continua a dominar a paisagem a nordeste, agora sim
chegam-se a ver as últimas casas de
Tourém, e a sul surge-nos
uma imagem bem minha conhecida … mas nunca vista daquele ângulo: os
Cornos da Fonte Fria destacam-se contra o céu azul. Pouco
passava das 11 da manhã (hora portuguesa), quando entrámos nas sombras de um
mundo saído de uma história de gnomos e duendes do bosque. Cores outonais
havia ainda poucas, mas água jorrava de todas as encostas, por vezes mesmo
acompanhando-nos na marcha ao longo de velhos carreiros. Ultrapassado um
caudaloso regato vindo das alturas das
Gralleiras …
recomeçamos a subir, primeiro em direcção SW e inflectindo depois para NW,
saídos já do carvalhal. Com 10,2 km percorridos e novamente a descer para a
aldeia abandonada de
Salgueiro, resolvemos fazer a paragem
para almoço pouco antes de lá chegar. O dia continuava esplendoroso, uma
sombra no caminho e umas pedras que fizeram de bancos foram providenciais. E o
almoço foi … arroz de tamboril! Enlatado e pré-cozinhado, claro...
J! Mas não
deixou de ser acompanhado por um néctar do Douro … embora também por água do
último regato por onde tínhamos passado.
A aldeia de
Salgueiro foi abandonada em meados do século
passado, pertencendo hoje ao Governo da Galiza, que está a restaurar as casas
e a transformá-la naquela que virá a ser a primeira aldeia ambiental galega. É
necessária uma autorização, a pedir ao "Parque Natural Baixa Limia / Serra do
Xurés", autorização que obviamente tínhamos pedido e transportávamos connosco
… mas que ninguém nos pediu … até porque naquele dia não havia ninguém a
trabalhar no restauro da aldeia. Trata-se de uma típica aldeia serrana, com as
suas casas de pedra, algumas com telhados de colmo, todas elas em processo de
restauro, algumas a ser transformadas em museu, bem como a sua velha
igrejinha.
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Carballeira da Barxa em tons de Outono, Xurés galego,
19.10.2010
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A aldeia abandonada de Salgueiro, Xurés galego, 19.10.2010
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Passada Salgueiro … nova subida! Permite-nos apreciar o conjunto da aldeia.
Dirigimo-nos agora francamente para oeste, passamos a
Corga das Cuartas, junto da qual deixamos o concelho de
Muiños, para entrar no de Lobios. Ao fundo, parecendo chamar-nos ao longe,
vemos já as antenas da
Louriça, na
Serra Amarela, e as de
Santa Eufémia, por
cima do nosso destino,
Lobios. A barragem do Alto Lima também
aparece já no nosso horizonte. Começamos definitivamente a descer, agora para
o vale do
rio Mao. Com 16,7 km feitos, às três da tarde
chegamos à estrada OU-1206, Cela – Lobios, e pouco depois atravessamos a
aldeia de
Puxedo. A distância que nos faltava percorrer para
Lobios sabíamos que teria de
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Vale do Rio Mao, Xurés galego, 19.10.2010
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ser maioritariamente por estrada, mas felizmente estradas muito secundárias e
com bermas que davam para a fuga ao alcatrão. Mesmo assim, sempre que possível
procurámos os atalhos que a carta nos indicava, no sentido de sair da estrada
e encurtar distância. A primeira "saída de estrada", a seguir a uma aldeia
chamada
Vila, não correu muito bem: o velho
sendeiro que a carta indicava era tão velho … que já não existia;
obrigou-nos a um troço de corta-mato um pouco fastidioso, ainda por cima numa
zona onde as moscas proliferavam. O segundo corte correu melhor: no vale do
rio
Cabaleiro, desembocámos facilmente na
Ponte de San Martiño, a poucos quilómetros já do nosso
destino. E assim, às 17:20h e com 25,1 km percorridos, estávamos em
Lobios … e no também já nosso velho conhecido "
Hotel Lusitano".
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Veja o vídeo desta "aventura", mas também o álbum de fotos completo
neste
link
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