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quinta-feira, 31 de julho de 2008

Uma "aventura" no Gerês...
ou quando atravesso a serra por duas vezes em menos de uma semana...

Tinham passado 19 anos sobre a travessia do Gerês, de Pitões das Júnias ao Vidoeiro, pelos Carris e Portela do Homem! Em Outubro de 2006, a tentativa de a repetir foi abortada pela intensa chuva que se abateu, quando já ia nas alturas da Fonte Fria. E o fermento claro que tinha ficado a trabalhar cá dentro...
Como "no canto de cada sonho nasce a vontade" ... no canto dos meus sonhos tinha-se alimentado a vontade de voltar a atravessar o Gerês a pé. Assim, dois anos depois, no fim de Julho de 2008, planeamos as férias (as tais que viriam a ser eternas...) a incluir, mais uma vez, o meu amado Gerês. O filho mais velho, nora e neto manifestaram vontade de partilhar connosco parte das férias. Para inovar
A "aventura" de um pai e dois filhos à conquista do Gerês... J
26.07.2008
em termos de bases logísticas, tinha descoberto na net uma casa rural, na aldeia de Lapela, a Casa Cabrilho, que pertenceu ao navegador João Rodrigues Cabrilho. Lapela permitiria refazer a ambicionada travessia (com a alternativa de descer dos Carris à Portela do Homem ou a Lapela), bem como conhecer a área central da encosta sul do Gerês, pelo velho estradão do Porto da Laje. Indo o filho e nora ... era outro carro e "motorista" que portanto também estavam disponíveis, para me ir levar ou buscar a qualquer dos extremos da travessia... J. Reservo, portanto, dois quartos na Casa Cabrilho, para os dias 25 a 30 de Julho. Mas ... o filho começa a interessar-se por fazer a travessia comigo! Tento dissuadi-lo, é uma caminhada que não é para qualquer um, que em qualquer das hipóteses se aproxima dos 30 km de serra, com desníveis acentuados. Tento apelar à necessidade de uma preparação física adequada. Mas ele herdou a pertinácia da família ... e somou a de todos... J! E eu ... lembro-me que ele, com 5 anos ... fez quase 20 km a pé nos Pirenéus! Apesar da actual vida sedentária ... alguma coisa havia de ter ficado...; e portanto vamos ... para o que desse e viesse... J!
Mas ... ainda não é tudo...! O outro filho, nora e neta ... acham igualmente engraçada a ideia de, pelo menos, um fim de semana familiar ... no Gerês! Assim, a travessia do Gerês poderia ser feita a três - pai e dois filhos - enquanto a mãe e duas noras descansavam em Lapela... J! O filho mais novo não me oferecia grandes dúvidas de resistência; apesar de pouco batido em caminhadas, o exercício físico frequente dá-lhe boa preparação. E marco mais um quarto na Casa Cabrilho, embora o deles apenas para o fim de semana, já que infelizmente não estavam de férias. É portanto assim que, no dia 25 de Julho de 2008, nós chegamos a Lapela a meio da tarde, vindos de Vale de Espinho, o filho mais novo, nora e neta chegam ao início da noite, e o filho mais velho, nora e neto pouco depois! Estava reunida a família ... preparados para a "aventura"... J! No dia seguinte de manhã ... antes das 7 horas estávamos em Pitões. O carro do filho mais velho, em que fomos os três, ficou à entrada da aldeia ... e iniciámos a marcha, rumo ao Outeiro do Grosal, Fornos, Brazalite. O dia apresentava algumas nuvens, mas nada de ameaçador.
A "aventura" de um pai e 2 filhos no Gerês..., 26.07.2008 (clique para abrir o álbum completo)
Era desta que iria repetir a travessia do Gerês! Passada a Fonte Fria, lá fomos ziguezagueando ao longo da raia, com as encostas do Xurés galego a norte e fabulosas panorâmicas para ambas as vertentes. A progressão do elemento menos preparado não era das melhores, mas também sem motivos de grande alarme ... por enquanto...! À hora do almoço tínhamos feito 14,5 km. Estávamos a noroeste dos Cornos de Candela, com toda a encosta sul do Gerês aos nossos pés. Mas a condição física do meu júnior mais velho começava a revelar-se insuficiente para a jornada. Começava a queixar-se das pernas, de dores e de prisão de movimentos ... e o ritmo abrandou substancialmente. Voltar para trás estava fora de questão, teríamos a mesma distância a percorrer. Mas chegar aos Carris naquelas condições seria praticamente impossível, pelo que tomo a decisão de abortar a travessia, iniciando a descida ao longo do vale da ribeira da Biduiça, com o objectivo de desviar depois para a ribeira das Negras e Castanheiro, para chegar ao estradão do Porto da Laje ... onde o "lesionado" aguardaria que fosse buscar o carro a Lapela. Este era o plano "de emergência", estudado no GPS e na carta ... mas o pior ainda estava para vir... L! Nalguns troços, as paragens começaram a ser de 5 em 5 minutos, ou pouco mais.



Para cúmulo, já abaixo dos 1200 metros de altitude, a tensão e a preocupação levaram-me inadvertidamente a um desvio não programado, entre a Biduiça e a Corga das Lamelas ... que nos obrigou a voltar para trás quase 2 km! Não estávamos a viver nenhuma aflição, mas a tarde avançava a passos largos ... muito mais largos do que os do meu pobre "mártir"... L! Começávamos a ponderar seriamente a hipótese de ter de dormir na serra, o que de qualquer modo também não seria aflitivo, no verão. Mas eis senão quando, após corrigida a rota, vindos dos lados da Lamalonga e dos Carris, vimos dois montanhistas a descerem em direcção à Biduiça! "Pelo menos temos companhia", pensámos. E rapidamente de três passámos a cinco! Feitas as apresentações e relatada a nossa situação, ficámos a saber que se tratava de dois montanhistas do Clube de Montanhismo de Braga, que tinham deixado o carro ao fundo do vale da Abelheira, na estrada de Sirvozelo e Paradela, para uma jornada de ida e regresso aos Carris. Estávamos sensivelmente a 4 km daquele ponto!
Mas nem as frias águas do ribeiro da Biduiça
reavivaram aqueles músculos exaustos..., 26.07.2008
Levámos mais de três horas a fazer os citados 4 km...! Primeiro, tentou-se que as águas bem frias do ribeiro da Biduiça reavivassem os músculos exaustos dos membros inferiores do lesionado. Depois, a experiência daqueles providenciais montanhistas levou-os a administrarem-lhe pastilhas de magnésio. Por instantes, a "coisa" melhorava ... mas quase logo as pernas se recusavam de novo a andar! Incrédulos, ouvimos um deles dizer ...
Passagem da Biduiça para a Abelheira, 26.07.2008
"eu levo-o aos ombros"...! E foi aos ombros daquele intrépido amante do Gerês que o nosso protagonista fez grande parte do restante vale da Biduiça, bem como grande parte da descida do vale da Abelheira! Chegados ao carro ... até as pernas já pareciam funcionar melhor ... e os "salvadores" levaram-nos a Lapela, à porta da Casa Cabrilho!
É da mais elementar justiça que fique registada, neste artigo, a inestimável ajuda prestada por aqueles dois montanhistas, Narciso Marques e Vitor Veloso, sem a qual teríamos sido certamente obrigados a passar a noite na serra. Tal como referido pelo Presidente do Clube de Montanhismo de Braga, em resposta ao agradecimento que posteriormente lhes enderecei ... "A solidariedade é um ideal que devemos encarnar sempre que nos é dada a oportunidade de demonstrar tal nobreza". Após esse agradecimento e resposta, não mais soube daqueles dois montanhistas ... até há poucos dias. As novas tecnologias e a paixão pelo Gerês das montanhistas responsáveis por dois dos blogues que acompanho ... levaram-me a encontrá-los nas teias do Facebook. Ainda um dia voltaremos a caminhar juntos no Gerês ... esperemos que em melhores condições... J
Alto da Surreira do Meio Dia, 28.07.2008
Regressados a Lapela, no dia seguinte havia que ir buscar o carro que tinha ficado em Pitões. O filho, nora e neta mais novos ainda tinham de regressar a Lisboa nesse domingo ... pelo que aproveitámos para um almoço familiar na "Casa do Preto", nas sempre amigas Sr.as Marias.  O  "lesionado" da véspera já estava
Lagoas do Marinho ... secas, 28.07.2008
bem melhor ... embora coxeando ligeiramente. Mas estes herdeiros ainda ficavam connosco mais uns dias, pelo que no dia 28 fomos "explorar" as alturas da Surreira do Meio Dia e as Lagoas do Marinho ... de carro, pelo estradão que conduz ao Porto da Laje. Mesmo apenas de carro, esta zona agreste do Gerês é espectacular. Os sucessivos "postais" sobre o vale do rio Cabril e as suas piscinas naturais, as panorâmicas das Lajes dos Infernos e a beleza selvagem junto às Lagoas do Marinho ... chamavam para digressões mais a fundo. As Lagoas do Marinho estavam praticamente secas, mas percebia-se o nível freático perto da superfície. Não descemos ao Porto da Laje; eu sabia que menos de 3 anos depois eu desceria aquele estradão a pé, sozinho, a caminho de Fafião... J
Cabana das Lagoas do Marinho, 28.07.2008
Sobre o vale do Porto da Laje, 28.07.2008
Estradão e vale do Porto da Laje, 28.07.2008
Rainhas e senhoras das alturas, 28.07.2008
Dia 29, já com o júnior operacional, fizemos uma curta caminhada de menos de 5 km, mas a um local "de culto" do sul da serra do Gerês: a cascata e lagoas de Cela Cavalos. Até o neto, então com apenas 7 meses, fez esta caminhada ... às minhas costas, em mochila de transporte de bebés... J!
De pequenino se torce o destino..., 29.07.2008
A caminho de Cela Cavalos, 29.07.2008
Sobre a Lagoa de Cela Cavalos, 29.07.2008
Sobre a Lagoa de Cela Cavalos, 29.07.2008
Cascata e Lagoa de Cela Cavalos, 29.07.2008
Lagoa superior de Cela Cavalos, 29.07.2008
Ainda tínhamos mais duas noites reservadas na Casa Cabrilho. Um dia completo, portanto ... o que me permitiria quebrar o enguiço e fazer, finalmente, a travessia pelos Carris! Da ideia à acção não medearam muitas horas ... e pouco depois das 5 da manhã do dia 30 de Junho estava a sair de Lapela a pé, sozinho! E é assim que, em 4 dias, atravesso por duas vezes a serra do Gerês e volto finalmente aos Carris, na travessia Lapela - Castanheiro - Carris - Nevosa - Fonte Fria - Pitões das Júnias.
Subindo a Lamalonga, rumo aos Carris, 30.07.2008
Esta travessia solitária foi uma caminhada espectacular. De Lapela subi ao estradão do Porto da Laje e deste ao geodésico do Castanheiro. Depois, rumo à Lamalonga e aos Carris! Começar a ver os Carris vindo de baixo foi um misto de estranheza e de afastamento no espaço e no tempo. Dir-se-ia que estava no Tibete, a começar a ver aquilo que de início pareciam mosteiros budistas lá no alto, mas que na realidade era uma cidade fantasma, uma cidade mineira constituída por construções arruinadas, à beira de precipícios de cortar a respiração, à vista de uma panorâmica fabulosa. E depois, a subida à Nevosa (1548 m de altitude) foi qualquer coisa de indescritível ... e até de "infilmável". Nos Carris já tinha estado, mas à Nevosa nunca tinha subido. A Nevosa é um pico estreito e mais ou menos triangular, qual obelisco a apontar aos céus. Almocei lá em cima, só eu e os 360º de panorâmica em redor. Isso mesmo, 360º! Indescritível! Para noroeste viam-se ao longe nuvens escuras que cobriam terras galegas, na direcção do mar; o António, da Casa Cabrilho, disse-me depois que efectivamente, em dias de completa visibilidade, vê-se dali o Atlântico, a “Costa da Morte”, como é chamada a costa da Galiza, das ilhas Cíes à Fisterra Corunhesa. Mas dentro dos 360º que se deparavam ante os meus olhos, viam-se nítida e perfeitamente as serras da Peneda e do Soajo, a poente, a barragem do Lindoso, as serranias galegas até aos Ancares, a norte e nordeste, a encosta galega do Xurés, mais perto, com Pitões das Júnias e as terras do Couto Mixto, a leste, as serras do Larouco e do Barroso por trás delas, estendendo-se para terras de Vilar de Perdizes e de novo para a Galiza, a barragem de Paradela, bem perto, a sudeste, e, para sul, toda a encosta da "minha" serra do Gerês, complementada pela Cabreira, que, mais baixa, deixava adivinhar por trás dela, lá longe, o vale do Douro. Indescritível!
Nevosa (1548m alt.), 30.07.2008
Quando eu andava na escola, aprendia-se que o ponto mais alto da serra do Gerês (a segunda serra mais alta de Portugal) era o Altar de Cabrões, que aliás se vê da Nevosa, a noroeste. Mas hoje sabe-se que efectivamente o Altar de Cabrões, além de ser mais baixo que a Nevosa … é em Espanha! Quase encostado à fronteira, mas do lado espanhol. A Nevosa é, portanto, o ponto mais alto da segunda serra mais alta de Portugal Continental.




Desci da Nevosa rumo a leste ... e o resto do percurso foi, com uma ou outra ligeira variante, o mesmo que tinha feito com os filhos no sábado anterior, em sentido inverso. E assim, às 18:20h estava a entrar em Pitões pela segunda vez em 4 dias, com 31 Km percorridos desde Lapela (com várias voltas junto aos Carris).
Despedida da Casa Cabrilho, Lapela, 31.07.2008
Contactado entretanto o filho (que já estava operacional...), às 18:40h vi aparecer um Fiat Punto branco (que por acaso até já tinha sido meu…), com aspecto de me vir buscar... J!
Estava quebrado o enguiço...! 19 anos depois, tinha voltado aos Carris e atravessado a serra. Nos 3 anos seguintes (que nos separavam da actualidade presente) ... atravessei o Gerês diversas vezes, em diversos sentidos ... e voltei mais duas vezes aos Carris. No dia 31 de Julho ... partia do Gerês para o Festival Intercéltico de Sendim, em terras de Miranda. E ficámos amigos da Tina e do António, da "Casa Cabrilho", em Lapela... J.
19/08/2011

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